terça-feira, fevereiro 17, 2009

É preciso despirmos-nos na praça
e esperar o que vier... serenamente,
os gritos e os falares da populaça
os olhares de desprezo e de devassa
dos que sem se voltar... seguem em frente.

É preciso que as feridas cavem fundo
na nossa humana alma, vil e ardente.
Que o nosso sofrer seja profundo
e que dessas pancadas que nos dá o mundo
faça brotar um sangue vivo e quente.

E quando todo a ferida for sarada
e nos tiver esquecido toda a gente...
é preciso descer de novo a escada
e com a clara face levantada
despirmos-nos na praça novamente.

(autor desconhecido)

sábado, outubro 25, 2008

Luis Rui de Melo Meireles



Ambos adolescente quando nos conhecemos. Eu teria 17/18 anos e tu uns 20 talvez. O nosso amor pelas artes, poesia, desenho, pintura e teatro... principalmente teatro, fez nascer uma empatia tal, que se transformou numa amizade que ainda hoje perdura, mesmo tu não estando fisicamente presente continuas a ser uma parte importante na minha vida. Quando ingenuamente eu pensei em escrever um livros de pensamentos e poemas, tu destes-me todo o apoio - sabendo tu que eu não tinha essa capacidade nem a suficiente maturidade. Das mãos à Lua era o título que ambos escolhemos, e para o prefácio "pariste" um poema, que eu guardo com aquele amor que só as coisas importantes merecem.


Das mãos à lua exportas o pássaro alado da tua voz
tão alado como essa fome que te escapa dos dedos...
ou a palavra imprecisa com que se fazem as gentes...

Das mãos à lua, a origem selenita dos teus versos
que estão no ritmo do coração

Das mãos à lua, esta noite indecifrada no teu corpo,
com que moldas a tua madrugada

quinta-feira, julho 17, 2008

RONAN & RONALDO


Parece que foi ontem que nos conhecemos... que as primeiras piadas sobre isto ou aquilo se misturavam com o fumo de um cigarro e um gole de cerveja.
Parece que foi ontem... e possivelmente foi!

Ronan e Ronaldo, dois jovens do interior do Brasil que vieram, como tantos outros, tentar uma melhor sorte de vida. Dois jovens, dois irmãos gêmeos, tão iguais e simultâneamente tão diferentes.

Entre a calma e a ponderação, o saber escutar e o querer saber de Ronan, contrapunha-se a exaltação e o frenesim do Ronaldo, o querer falar sem escutar, como se a vida tivesse que ser vivida mais depressa... possivelmente para ele, tinha!
Conviveste com este grupo de portugueses, que têm a particularidade de mostrar o lado engraçado da vida, somos muitos os que estão de acordo que, a vida é para ser vivida e não para ser sofrida.
No teu olhar de menino traquina, ficou suspensa a esperança de toda uma vida por viver.
Mas vou continuar a ver-te nas ondas bravias do mar, nos dias de ventos rodopiantes ou simplesmente quando estiver em frente ao meu computador.

Felizmente a presença do Ronan não vai deixar dissipar a lembrança do teu corpo físico.
Afinal não faz sentido se o ceu e a terra não estiverem em comunhão.

segunda-feira, junho 19, 2006

Thomaz de Calheiros e Menezes

Na cama daquele hospital, eu continuava a sonhar com as mesmas brincadeiras, sempre ouvi dizer que não era boa coisa, estar internado num hospital, mas eu não pensava assim... a minha mãe trazia-me bolinhos de padaria, biscoitos e bolachas que eu desfazia em farinha, e tantas
outras coisas boas que, numa situação normal nunca acontecia. Brincava com as outras crianças, construindo sonhos com as caixas vazias das empolas de penicilina. Não fazia uma ideia do que realmente se passava com a minha perna esquerda. Doía-me no excesso de calor ou de frio e estava o dobro do tamanho da outra, devido ao inchaço. Tinha uma cor cinzento escuro e um aspecto nada recomendável. Os tratamentos eram diários e resumiam-se a uma injecção de penicilina de manhã e outra á tarde - mas as melhoras tardavam a chegar. A minha mãe entrava em pânico com o desenrolar dos meses sem ver um sinal de melhoras. Já tinha ouvido em sussurro que o mais provável era a amputação da perna... é uma criança! ... não é possível que não haja outra solução, pensava em voz alta com os olhos rases de lágrimas. Foi quando decidiu interceder pessoalmente junto do meu padrinho de baptismo, médico cirurgião muito conceituado, que se mantinha a par do meu estado por informações telefónicas.
... Mas como é isso possível?- ainda ontem me informaram que por efeito dos antibióticos estava a reagir muito bem!... Não te preocupes rapariga... manhã mesmo vou pessoalmente ao hospital inteirar-me da situação... e não desesperes Maria Olinda, o teu filho é como se fosse meu, e tu bem sabes isso... a última coisa em que quero acreditar, é o rapaz ficar aleijado para toda a vida.
No dia seguinte, logo pela manhã, acordei com o alvoroço das enfermeiras e médicos, num corrupio que não era habitual. De repente, a figura imponente do meu padrinho aos pés da minha cama... Era um homem por quem eu tinha um respeito e uma admiração sem tamanho, e apesar dos meus oito anos, ficou para sempre gravado em mim, a sua figura, o seu carácter e profissionalismo.
Depois de uma breve carícia e um olhar doce, mudou radicalmente de postura e ordenou às enfermeiras que lhe mostrassem a perna... depois de alguma hesitação ele falou em tom calmo mas seguro. Estou aqui como médico, e como tal tenho o direito de ver um doente que me é querido e saber o seu estado clínico... tirem as liga-duras que eu quero observar o estado dessa perna. A medo e com algum nervosismo à mistura, os profissionais fizeram-lhe a vontade. A minha perna a descoberto mais parecia um tronco queimado e deformado. O meu padrinho, ao ver o estado em que estava, não se conteve... e num tom alto que lhe desconhecia... Como é possível que esta criança chegue a este estado? - Quero falar com o médico assistente desta criança e com o director clínico deste hospital. Virou costas e sumiu por entre as inúmeras pessoas que ali se tinham concentrado, não sem antes me dar um piscar de olhos e um ténue sorriso.
Mais tarde, já em horário de visita, a minha mãe estava com o semblante mais sóbrio, mais confiante. Não te preocupes meu filho, o teu padrinho vai tomar conta de tudo, vais ficar bom. Nesse momento, sentia-me uma pessoa especial, tal era a atenção com que me tratavam.
Ao meio da tarde veio o meu padrinho com outro médico, enfermeira e auxiliares. Abeirou-se da minha cama e olhando-me nos olhos, disse: Vamos lá tratar essa perna, vais ser operado imediatamente... Com o medo estampado no rosto, perguntei: vão-me cortar a perna? Ele sorriu e disse: - Não Tomás, ( ele adorava tratar-me pelo meu segundo nome, que era também o seu) vou operar essa perna como se opera ao coração. Saiu logo de seguida com a sua equipe, enquanto algumas enfermeiras me preparavam para a anunciada cirurgia.

Nunca me tinha imaginado naquela situação, e para a minha idade tudo era muito confuso, uma infinidade de ferros e utensílios das mais variadas formas, os olhares profissionais sobre o meu caso, com as radiografias e análises que tinha feito, deixou-me aquela sensação estranha e medonha de quem vai para o matadouro. A sala estava muito iluminada, como num espectáculo, essa parte foi a parte que mais gostei e fiquei quase feliz por me sentir o centro das atenções. O meu padrinho preparava tudo ao pormenor para começar a intervenção cirúrgica. O que não entendi de imediato foi a quantidade de pessoas que me rodeavam, umas seguravam-me as pernas, outras o baixo ventre e outras os braços, a segurar-me a cabeça para que nada visualizasse, estava uma enfermeira muito nova e extremamente bonita, que me dava festas na cara e me dizia que não ia custar nada. Soube muito mais tarde, que pela minha idade o meu coração podia não suportar a aplicação da máscara de éter, assim chamada a anestesia total, e que por isso me foi aplicada uma anestesia local, os métodos utilizados na época eram bem diferentes dos modernos meios anestésicos só que naquela altura nada entendia sobre o assunto.
Começaram por cortar a carne da perna e embora as dores fossem ainda suportáveis, tinha aquela sensação de estar a ser retalhado em vida. Sei que chorava (chorava muito) e a enfermeira com cara de anjo não retirava os olhos dos meus, numa tentativa de me acalmar...
Não sei quanto tempo estive naquela situação, mas foi muito! As dores cada vez eram mais insuportáveis, sentia dores na carne, nos ossos, mas que se estendiam por todo o meu corpo. As tentativas de fugir de tudo aquilo, eram impedidas pelo número de pessoas que seguravam o meu pequeno corpo. O sofrimento físico passou a barreira do suportável e nessa altura já não tinha lágrimas para chorar nem forças para me manifestar, a vida deixou de ter interesse, já nada tinha importância, estava prostrado mas sempre consciente. Recordo com exactidão todo o sofrimento que a minha pequena vida me submeteu. Quando tudo terminou, olhei para aquele rosto que nunca deixou de me olhar e falar comigo, e disse: - menina, dê-me um beijinho!... Ela segurou-me a cabeça e as suas lágrimas misturaram-se com as minhas, num beijo molhado e inocente.
Fevereiro de 1955

terça-feira, maio 30, 2006

O amor

O amor? - o amor ninguém o definiu
é sempre o mesmo, acaba onde começa.
quem mais o sente menos o confessa
e quem melhor o diz... nunca o sentiu.

Conhece a todos, mas ninguém o viu.
Se o procuramos, foge-nos depressa,
se o desprezamos, todo se interessa,
só está presente quando já fugiu.

É homem feito, sendo uma criança
quanto mais se quer, menos se alcança
ninguém o encontrou e em toda a parte mora

Mata a quem dele vive, é sempre assim.
Só principia quando chega ao fim
morreu há muito e nasce a cada hora.

1972

quinta-feira, maio 11, 2006

Os meus poemas

São apenas frases formadas por palavras em folhas brancas, um branco malhado de negro.
Palavras escritas no meu silêncio de gritos... incertos
São poemas, são versos, são rimas e palavras e frases ditas com tudo por dizer.
----malhas negras que mancham o branco das folhas.

Coisas sem importância... apenas poemas!
Poemas escritos em folhas de papel vulgar, sem ninguém para os ler
(nem para os criticar)

Estas folhas que ainda hoje me queimam a lembrança de um passado recente.
(a chama da minha consciência)
Apenas poemas, sem mais nada!
1968

terça-feira, abril 18, 2006

Amanhâ... digo-te!

Amanhâ digo-te adeus
e não to repetirei
nas mãos abertas em estrela
minha herança deixada
aos filhos que não terei

Amanhâ digo-te
que as rosas não fazem adormecer
dói tanto sentir as gentes
e não as pudermos esquecer!
dói tanto sentir a vida e não a podermos adiar
porque é preciso vivê-la para sofrer, devagar

Amanhâ digo-te adeus e nunca mais voltarei
nas mãos fechadas em punho,
a minha raiva açaimada da vida que não terei



Luis Rui de Mello Meireles